PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 04 outubro de 2014.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 04 outubro de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
Aldo Pernambuco Sobrinho nasceu em Piracicaba a 30 de agosto de 1971 é filho de James Pernambuco (Conhecido como Bilo) e Diva de Moraes Pernambuco que tiveram os filhos James, Gisele e Aldo. Aldo é casado com Renata, são pais de um filho, Bryan.
Seus estudos você realizou em que escola?
Estudei no Grupo Escolar Moraes Barros, meu primeiro professor foi Seu Dirceu. Estudei depois na Escola Estadual Prof. Mello Moraes e Colégio Técnico Industrial de Piracicaba. Ainda existia o Estádio Roberto Gomes Pedrosa, antigo campo do VX de Novembro, onde atualmente existe um supermercado.
Você chegou a freqüentar o antigo campo do XV de Novembro?
Meu pai gostava do XV e tinha muita amizade com o Colega que o convidava e eu acabava indo junto. Sempre joguei futebol, mas não profissional. Quando eu era jovem, o Córrego Itapeva era a céu aberto, junto onde hoje é a Avenida Armando Salles de Oliveira. Já existia a Cidade Jardim, o Jardim Europa.
O seu pai foi um entalhador?
Na realidade meu pai foi um marceneiro, ele trabalhou onde hoje é o Posto de Saúde, na Rua D.Pedro I, atrás do Mercado Municipal, ali era a oficina do Neno, meu pai trabalhou muitos anos com o Neno, como era conhecido Eugênio Nardin. O Neno fabricava móveis e entalhava também, tinha os entalhadores, os lustradores. Meu pai é natural de Piracicaba, começou a trabalhar lá ainda garoto. Meu pai sempre trabalhou como marceneiro, com o Neno ele deve ter trabalhado uns 15 anos. Fazia móveis finos.
Que tipo de madeira era usada naquela época?
Acho que mais cedro e imbuia.
E Pinho de Riga?
Em Piracicaba não se acha mais, em São Paulo pode até ser que você encontre. Mogno é raridade, não se acha mais
Antigamente o bacalhau era importado embalado em caixas de pinho de Riga.
Hoje vem em uma madeira bem mole. Descartável. Antes as madeiras eram boas, hoje a maioria dos moveis é em MDF. (MDF é a sigla de Medium Density Fiberboard, que significa placa de fibra de média densidade, é um material oriundo da madeira, fabricado com resinas sintéticas).
O sobrenome Pernambuco sugere que há uma ligação com aquele estado.
Já me perguntaram qual é a origem do sobrenome Pernambuco, eu não sei dizer. Meus tios também são todos de Piracicaba. Não há nenhuma relação próxima com o estado de Pernambuco.
Quando seu pai deixou de trabalhar com o Eugenio Nardin, montou a sua própria marcenaria?
Exatamente! Meu pai nasceu em 1919, creio que ele veio para cá na década de 40. Aqui meus tios Aldo e Julio o ajudaram a comprar as máquinas. Meu tio Aldo foi o primeiro motorista do Engenho Central, meu pai guardava tudo que era publicado a respeito, após seu falecimento esse material se perdeu. Ha muitos anos saiu em “O Diário” uma matéria sobre o meu tio Aldo que foi buscar um automóvel Ford ano 1929 no porto de Santos. Meu pai ainda muito jovem passou a fabricar móveis, charretes, as rodas eram de madeira e o aro de ferro que eram feitos pelo Romeu Ferreiro, estabelecido na curva do “S”, existente na Avenida Armando Salles de Oliveira.
A charrete mais conhecida é a de tração animal, mas na época existiam charretes de mão?
Acho que para a charrete de mão em 1958 era dada pela prefeitura uma placa que era a licença PMCM Prefeitura Municipal Carro de Mão era necessário ter aquela licença para transportar mercadorias. Eram umas carroçonas grandes, altas, ele saia daqui e levava os móveis não sei para quem, lá na Estação da Paulista.
Subia a Rua Boa Morte?
Subia empurrando na mão. Eu tinha uma até um ano atrás.
Eram muito comuns umas carrocinhas conduzidas à mão.
Até hoje existe no Cemitério da Saudade. No Museu da Água existe uma exposta.
O seu pai tinha o desejo de que os filhos seguissem a carreira dele?
O meu pai tinha a preocupação de que os filhos sofressem algum tipo de acidente por causa do grande número de máquinas cortantes. Depois que ele viu que eu passei a me interessar mais, vir com mais freqüência para ver ele fabricar as peças, ele foi abrindo mais a porta, deixando eu vim ver. Mostrava, falava o que era. Como eram feitos os móveis, os encaixes. E de fato é grande o número de ferramentas perigosas. Meu pai mesmo teve uns dois ou três acidentes, mas era um marceneiro que tinha todos os dedos.
Os clientes traziam os projetos dos móveis que desejavam?
Traziam sim, desenhos feitos a nanquim, escrivaninhas. Ele tinha uma pasta só com esses projetos.
Que idade você tinha quando começou a olhar com mais interesse as coisas que o seu pai fazia?
Eu estava com uns treze anos quando comecei a ver as peças que ele fazia com outros olhos a parte da marcenaria. A parte do entalhe foi com 15 a 16 anos que passei a freqüentar a oficina do Eugenio Nardin, situada na Rua do Vergueiro. Eugenio fazia todo tipo de móvel fino, restauração, pintura.
Você lembra-se da sua primeira obra em madeira?
Foi um banquinho! Meu pai não deixava mexer nas máquinas, ele tinha muito cuidado para não acontecer nenhum acidente.
Por que você gosta do entalhe?
Porque você pega uma madeira bruta e consegue fazer o que desejar com a madeira.
Quais são as madeiras boas para entalhes?
Cedro, imbuia, cerejeira, se tivesse, mogno.
Para realizar o entalhe é necessário ter muitas ferramentas?
Há a necessidade de ter um arsenal de ferramentas. Uma da bancas de carpinteiro que meu pai utilizava tem a data atrás, 16 de outubro de 1933. É de cabriúva. Meu pai e um amigo dele que fizeram. As roscas são de madeira.
Você após freqüentar a oficina do Eugênio Nardin, voltava para a oficina do seu pai?
E tentava entalhar algumas coisinhas.
Seu pai permaneceu aqui na oficina até que ano?
Faz oito anos que ele faleceu, aos 85 anos, trabalhou até falecer.
Devagarzinho você foi ganhando espaço na arte do entalhe?
Meu pai tinha uma roda de amigos que freqüentavam a marcenaria, ao final de tarde aparecia muitos amigos para conversar, trocar idéias. Ele pegava algum entalhe que tinha feito e mostrava com orgulho aos amigos. Aprendi entalhe com Eugênio Nardin e com Pedro Senicato, o Pedrinho Entalhador. O Sbrissa e o Pedrinho Entalhador faziam sobre tampo de caixão funerário. Não era com resina sintética como hoje, era tudo entalhado. Alguns entalhavam o caixão inteiro.
Você já entalhou urna funerária?
Entalhei só um sobre tampo. O Pedrinho desenhou como estava bem doente, pediu para o Hélio entrar em contato comigo. Fiz o sobre tampo para o Hélio tirar o molde em resina e comercializar para as fábricas de urna. Eu fiz o molde. Ele faz a peça em resina. Com 23 anos eu já estava bonzinho no entalhe. É uma arte em que a cada dia vai se aprendendo alguma coisa. O que gostava de fazer era porta. A minha primeira peça que fiz e gostei muito foi um relógio de madeira.
Você dá aulas de entalhe?
Dou aulas todas às tardes.
Qual é o requisito para ser aluno da arte de entalhar?
Qualquer pessoa dos 12 aos 99 anos pode estudar entalhe! O aluno mais novo acredito que foi o Marcelinho, tinha uns 12 anos. Atualmente tenho cerca de 15 alunos, de 23 a 75 anos. Um dos alunos é um senhor que vem de Tietê. Eles dizem que é uma terapia. Tanto é que saiu uma matéria chamada “Terapia do Entalhe”. Tem que ter calma se tiver pressa não irá conseguir fazer nada. Sou detalhista, se o aluno errar irá fazer novamente. Você pega uma madeira cheia de farpa, tira na plaina. Nas máquinas pesadas eu faço o trabalho, por precaução e cuidado com o aluno. Nas aulas eles usam as minhas ferramentas, quando começam a gostar passam a adquirir as próprias ferramentas.
Quem tem mais facilidade para entalhar o homem ou a mulher?
Ambos têm condições, depende apenas do aluno ou aluna. Tive uma aluna, a Eliane, que tinha uma mão para entalhar que era muito eficiente.
O entalhe está voltando a entrar em evidência?
Acho que o entalhe está sendo realçado. O surgimento de novelas de época traz muitas peças entalhadas. Muitas molduras. A atenção dos decoradores está se voltando para peças diferentes. Através da internet mantenho contato com entalhadores praticamente do mundo todo. Há uma grande troca de informações. Até mesmo na maneira de como se amola um formão.
Você faz entalhes específicos, sob encomenda?
Antes de começar a entalhar a peça propriamente dita eu faço um estudo. Temos exposto ali a parte de cima de uma cabeceira de cama. Depois de feito o estudo, se o cliente aprovar passo a entalhar.
Quem gosta de móveis entalhados?
Pessoas mais maduras e refinadas. Há uma movimentação nesse sentido, se só o móvel entalhado pode criar um ambiente mais sóbrio, a mescla com outro tipo de decoração pode dar refinamento.
Para ser entalhador tem necessariamente que ter a mão firme?
Não. Quando o aluno ingressa seus primeiros trabalhos são um peixe e uma flor. Nesses trabalhos fico conhecendo o movimento de mão, a coordenação do aluno. Faço trabalhar a mão direita e esquerda que são os movimentos contrários do cérebro.
A seu ver em matéria de entalhe quais são os países que se destacam?
Eu creio que seja a Espanha e a Alemanha.
Na cidade de São Paulo tem bons entalhadores? Eles o conhecem?
Existem bons entalhadores, alguns me conhecem. Em meu conceito o entalhe é uma arte que deve ser ensinada, passada aos que interessarem, muitas pessoas podem ter até um dom maior do que quem ensina.
Proprietários de antiquários procuram seu trabalho?
Alguns sim. Tenho sido procurado por igrejas, atualmente estou restaurando peças da Catedral de Santo Antonio. Às vezes as pessoas falam: “- Mas é um dedo que você está fazendo!”. Só que para esculpir um dedo tem que dar o volume certo, a nervura certa. Fazer a unha perfeita, igual a outra.
Entre as centenas de ferramentas de entalhe, uma se destaca pelo formato, o macete do entalhador. Como pode ser definido seu uso?
Uma das aulas é usada para ensinar os alunos a fazerem seu próprio macete. É feito de madeira dura, geralmente o rouxinho, garapeira, cabreuva. Existem macetes antigos, como de bronze por exemplo.
Quanto tempo dura um curso de entalhe?
Depende do aluno. Esse senhor que vem de Tietê faz cinco anos que está comigo como aluno. É um bom entalhador. Ele vem às terças-feiras, e segundo suas palavras se não vier a semana fica sem sentido. É uma terapia.
Quando o futuro aluno mostra interesse em matricular-se qual é a primeira providência que você toma?
Eu digo: “- Vamos fazer uma aula para ver se é isso mesmo que você gosta de fazer”. Uma aula dura cerca de duas horas.
Você tem um grande número de ferramentas diferentes, todas são necessárias?
Cada formão tem um formato. As goivas, que são formões com sulcos, formões retos, semi-goivas.
Você tem uma furadeira manual que deve ser muito antiga.
Deve ter umas oito décadas.
O que é a ferramenta chamada guilherme?
É uma ferramenta utilizada antigamente para fazer os rasgos para encaixar porta. O barilete, que é um tipo de raspilha.
A madeira para ser trabalhada tem que estar totalmente seca?
Para ficar totalmente seca pelo menos uns seis meses.
Você está restaurando uma espada e uma palma em madeira, que pertencem a Catedral de Santo Antonio. Você tem conhecimento de quem é essa obra?
Não sei responder com exatidão, a informação que me chegou é de que veio de Portugal. Aquele Cristo Rei veio todo desmontado. As placas são encaixadas, parafusadas.
Você dá aula de entalhe para restaurador?
No momento estou dando aula para uma pessoa que restaura.
As ferramentas profissionais de entalhe são fáceis de encontrar?
Normalmente as melhores ferramentas são as importadas da Europa, Estados Unidos. No Brasil temos apenas uma fábrica e cuja qualidade fica aquém das importadas. As ferramentas fabricadas na Argentina já têm uma qualidade melhor.
Mundialmente o entalhe é uma arte que tende a aumentar ou a diminuir?
Tende a crescer. No Brasil já esta havendo uma nova mentalidade sobre o entalhe. Na Espanha e na Alemanha são matérias curriculares.
Você está no face book?
Estou como Aldo Entalhe. E quem quiser vir conhecer, fazer uma aula, fica feito o convite, estou aqui a disposição.
Quantos entalhadores existem em Piracicaba?
Entalhadores estilo ornato, que é o estilo que eu faço, que eu saiba só existe eu. Depois existem entalhadores que fazem placas. Sou um pesquisador nato, gosto de saber como o pessoal fazia, eu procuro descobrir quem se dedica a arte do entalhe.
Aldo, você se considera o único representante de uma arte que está quase em extinção em nossa cidade?
Por isso sempre procurei divulgar pela mídia, as pessoas que faziam em Piracicaba foram aos poucos falecendo. No sul Treze Tílias é uma cidade que tem uma feira só de escultores, acontece durante uma semana. Em Campinas tem uma catedral muito bonita, entalhada, demoraram treze anos para entalhar. No centro de convivência tem um entalhador muito bom. O Mosteiro São Bento, em São Paulo, é maravilhoso em termos de entalhe. Em Piracicaba tem entalhe na Igreja dos Frades, a porta da Igreja da Paulicéia, a porta da Igreja São Dimas, a Catedral tem alguma coisa. Agora a porta entalhada na igreja ao lado da Matriz da Vila Rezende. Levo meus alunos a esses locais para que conheçam os estilos, como se pode fazer uma voluta, um contorno. Não sou dessa época mas dizem que o Colégio Industrial ensinava a entalhar. Atualmente o pessoal não tem muita paciência para fazer um entalhe, por isso você vê todo mundo estressado, todo o mundo quer tudo muito rápido, apressado.
Você recomenda à quem está quase a beira de uma terapia, que venha fazer uma experiência com entalhe em madeira?
É uma sugestão interessante. Aqui você vai trabalhar o seu lado psicológico. Os alunos comentam e eu tenho um aluno que era muito ansioso ele disse que aprendeu a curar a ansiedade aqui. Tem até um médico cardiologista que é aluno, faz o curso para relaxar o stress.