PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 09 de fevereiro de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
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ENTREVISTADO: ARNALDO MARCONDES MACHADO e SUZANA PAPPERT A Sears, Roebuck and Company é uma rede de lojas de departamentos americana sediada em Chicago, foi fundada por Richard Sears e Alvah Roebuck no final do século XIX. Possui lojas nos Estados Unidos, Canadá e México. A Sears também já possuiu lojas no Brasil até 1992. Por 25 anos Arnaldo Marcondes Machado foi funcionário da empresa no Brasil que tinha a denominação de Sears, Roebuck S.A Comércio e Indústria. Arnaldo galgou passo a passo até chegar ao importante cargo de Gerente Geral de Crédito. A sua história e a da empresa se entremeiam. Piracicaba foi pesquisada em determinado período para possuir uma loja da rede Sears, só que na época não se encaixava no perfil da rede de loja de departamentos. Arnaldo Marcondes Machado é paulistano, nascido a 17 de julho de 1920 na Vila Queiroga, Brás na Avenida Celso Garcia. Antonio Marcondes Machado e Isabel Araujo tiveram os filhos Iracema, Maria, Arnaldo, José, Reinaldo, Osvaldo, Lucila. Arnaldo é casado em segundas núpcias com Suzana Pappert nascida na Iugoslávia a 28 de janeiro de 1922, filha de Henrique Pappert e Bárbara Chaner que tiveram os filhos João, Suzana, Cristina, Eva, Sofia, Rudolf e José. Suzana veio para o Brasil trazida pelos seus pais quando ela tinha quatro anos de vida. Arnaldo e Suzana residem há treze anos no Lar dos Velhinhos de Piracicaba.
Os pais da senhora tinham quais atividades na Iugoslávia?
Meu avô tinha uma propriedade rural onde era cultivado trigo, uva, ali meus pais trabalhavam.
Como decidiram imigrar para o Brasil?
Naquela época dizia-se que o Brasil era muito bom, enriquecia-se em pouco tempo. Os que tinham pouco tempo de casados vinha para se aventurarem. Descemos do navio em Santos, fomos para a Hospedaria de Imigrantes em São Paulo. Nossa família permaneceu em São Paulo, entre outras obras meu pai trabalhou na construção da Catedral da Sé. Ele era serralheiro, fazia as armações de ferro para as coberturas da igreja. Trabalhei em várias fábricas de tecidos entre outras a Mário Filipelli. Como a senhora conheceu o Sr. Machado ?
Fui casada em primeiras núpcias, fiquei viúva, fui morar com a minha irmã Cristina que com seu marido tinha um estabelecimento comercial na Mooca, freqüentado pelo Machado. Quando o conheci eu tinha 38 anos e ele 40 anos, também já tinha sido casado. Sou do tempo em que havia bonde em São Paulo, moramos um período de tempo em Santo André, em seguida fomos morar em Santos onde também havia o bonde. Morávamos na Rua Manoel Vitorino, no Gonzaga pertinho da Avenida Ana Costa, isso foi por volta de 1962. O Arnaldo era sempre transferido, com isso conhecemos e moramos em várias cidades.
Qual era a atividade dos seus pais Sr. Machado?
Meu pai era viajante (vendedor viajante), minha mãe era do lar
Sr. Machado em que escola o senhor estudou o curso primário em São Paulo?
Foi no então denominado Grupo Escolar da Barra Funda. Estudei no Colégio Stafford. Esse colégio ficava na Alameda Cleveland, num casarão que havia sido residência de Santos Dumont. Estudei no SESC situado na Rua do Oratório onde fiz o curso de química de couro para fazer tintas para calçados. Naquela época era raro um garoto de 14 anos saber ler e escrever.. Eu trabalhava em uma loja de calçados onde vendiam retalhos de couro por quilo, a proprietária da Loja Italiana pesava e ficava esperando uma pessoa da loja de calçados para dizer quanto custava. Foi quando viram que eu sabia ler, escrever, dividir. Na fábrica de calçados eu ganhava quinze mil réis. Ofereceram-me cinqüenta mil réis, é lógico que eu fui trabalhar na Loja Italiana situada na Avenida Celso Garcia quase esquina com a Rua Bresser, ao lado de um cinema que já não existe mais. Lá fiquei uns dois anos trabalhando. A loja abria além dos dias de semana, também aos sábados e às vezes domingo pela manhã
Qual era o seu trabalho nessa loja?
Eu fazia de tudo, inclusive às vezes ia fazer entrega, ia de bonde, ônibus. Meus irmãos trabalhavam na fábrica de calçados Campana e Companhia, na Rua Marajó, eles não trabalhavam aos sábados após o almoço. Entrei no Campana onde trabalhei por uns oito anos. Comecei tirando a forma que vinha no sapato quando era produzido, limpava o sapato, lixava, realiza várias atividades. Como eu sabia ler e escrever muito bem, colocaram-me para fazer o controle do pessoal que saia para fumar fora da fábrica. Não podiam fumar dentro da fábrica pelo grande risco de combustão dos produtos: cola, couro. Fizeram uma espécie de gaiolinha onde eu passava o dia inteiro controlando o tempo de quem ia fumar, ia ao banheiro. Eu marcava saiu tal hora voltou tal hora.
Quantos funcionários trabalhavam nessa fábrica?
Mais ou menos uns trezentos funcionários. Fabricavam Tênis e Keds, naquele tempo calçado feito com tecido custava muito barato, cerca de um quarto do valor de um sapato de couro. Os Tênis e Keds daquela época eram muito mais simples do que os atuais. O modelista dessa empresa abriu uma fábrica e me chamou para tomar conta da mesma, dirigi-la. Ficava na Rua São Filipe, no Tatuapé. Eu tinha 25 anos, nessa época contrai o meu primeiro matrimonio. Permaneci nessa fábrica por dois anos, chamava-se Fábrica de Calçados Petiz. Fui convidado para trabalhar na fábrica de calçados Clark, uma empresa muito grande. Fui ser mestre de planchamento de sapatos. Após a produção do calçado ele saí todo “quebrado”, sujo, há um trabalho para colocá-lo na caixa, limpar, se for sapato de verniz pintá-lo todinho, de forma que atraisse a atenção do cliente. Naquela época a Clark tinha uns cento e cinqüenta a duzentos funcionários. Era um sapato famoso e de alto custo. A fábrica ficava na Rua da Mooca. Meu cunhado foi trabalhar na “Triunfal” situada na Rua Direita, centro de São Paulo. Era uma loja de mercadorias variadas, fui trabalhar lá. A Sears tinha uns auditores americanos realizando pesquisas nas lojas do centro de São Paulo. Entraram na Triunfal, questionaram-me sobre produtos e preços das mercadorias a venda. Respondi com firmeza e conhecimento. Fui convidado para trabalhar na Sears. A Sears ficava na Rua Treze de Maio, 1947, no Paraíso, próximo a Avenida Paulista. Era tão grande que atualmente funciona um shopping no local. Havia mais de 800 funcionários.
O senhor começou em que função?
Fui trabalhar no crediário. Mr. Roland que era o gerente não me deixou sair mais, me colocaram para obter informações sobre clientes na rua. Passei a ser chefe da sessão de cadastro. O cadastro de uma empresa as vezes levava trinta dias para obter um crédito consegui reduzir o prazo. De três a cinco dias estava concedendo o crédito, as informações eram aprovadas pelo gerente. Permaneci ali por dois anos. Ofereceram-me para ser chefe da cobrança. Fiz um estágio na rua, batendo de porta em porta, cobrando, um mês e pouco depois passei a ser gerente da seção de cobrança. Por seis anos consecutivos ganhei um prêmio de caráter internacional, como o melhor desempenho do grupo Sears na minha atividade de cobrança. Passei a ser assistente de gerente de crédito, a minha carreira foi passo a passo. Havia três categorias de loja Sears: A, B e C. Em Santo André abriu uma loja na categoria “B”. Eu já estava trabalhando em uma loja de classificação “A”. Fui ser gerente da loja em Santo André. Houve a transformação da documentação do crédito de manual para mecanizado. Fiz o curso para fazer a transferência de manual para a máquina. Até nos Estados Unidos estavam com dificuldades nessa migração de escrito para mecanizado. Fui para a loja de Santos, fiz a transferência, deu certo, bateu os balanços.
Em que local da cidade de Santas ficava a Sears?
Ficava no centro, na Rua Amador Bueno. Eu ia trabalhar com um Fusca 1959. Tive um fusca 1952, cujo vidro traseiro era dividido por um friso central. Permaneci em Santos por cinco anos. Inaugurei uma filial Sears em São Vicente, ninguém acreditava no sucesso, em dois meses a despesa de abertura retornou, um verdadeiro fenômeno, o normal era o retorno das despesas demorarem de quatro a cinco anos. Fui transferido para o Rio de Janeiro, onde tinha quatro lojas para tomar conta: Botafogo, Méier, Ramos e Niterói. Enquanto eu trabalhei na Sears ela tinha no Brasil 16 lojas. Em 1970 me aposentei. Depois disso fiz vários trabalhos para a Sears, mas esporádicos. Aqui mesmo em Piracicaba fiz uma pesquisa para a Sears, foi considerado um local com baixa perspectiva, a única loja que se destacava na cidade era a Porta Larga. Atualmente o cenário é outro. Trabalhei nos mais diversos estados, inclusive em Manaus, Sergipe, Alagoas, a Sears tinha nesses locais escritórios de representação. Viajava de avião, lembro-me do Super Convair 303, da Real Transportes Aéreos. Quando fui para Manaus não existia nem hotel, apenas pousadas do governo. A cama era coberta por um mosquiteiro, de manhã quando fui me levantar estava cheio de calango no mosquiteiro.
O senhor lembra-se quais eram os produtos que eram mais vendidos pela Sears?
Vendiam-se muitos colchões, móveis, tapetes importados, a linha branca era o forte, vendíamos televisão, na época em preto e branco. Rádio era um produto muito procurado. O senhor praticava algum esporte?
Fui campeão paulista de ciclismo em 1938/1939. Tive uma bicicleta Turino, italiana, de oito marchas. Aos 35 anos concorri na Festa do Pedal, realizada no Anhangabaú, isso foi em 1954 ou 1955. Eu concorria pelo Ciclo Clube Teixeira, situado na Rua da Mooca. Cláudio Rossi, que mais tarde foi campeão internacional, iniciou seu treinamento comigo. Quando morava em Santos cheguei a jogar um pouco de vôlei. Cheguei a correr de motocicleta pelo Moto Clube Piratininga no Autódromo de Interlagos.
O senhor acompanhava os jogos do Juventus?
Logo que me casei morei em um prédio em frente ao Juventus, na Rua dos Trilhos, da janela eu assistia aos jogos.
O senhor gosta muito de ler?
Gostava, não leio mais nada. A vista já não ajuda muito e eu também perdi o entusiasmo pela leitura. Lia tudo que estava escrito no jornal, hoje pego o jornal, vejo o horóscopo e fecho.
Na capela do Lar dos Velhinhos em certa ocasião o senhor fez a leitura de um texto que emocionou muitas pessoas.
Devo ter criado na hora. Em reuniões dificilmente falo. Meu negócio não é falar é agir. Aprendi com os americanos algo que no Brasil infelizmente não existe. Quando entrevistaram um brasileiro perguntaram se ele gostava de comer arroz e feijão. Sua resposta foi: “Arroz e feijão, com um belo bifinho, uma saladinha talvez vá”. “Quando me fizeram a mesma pergunta eu respondi:” “- Claro que gosto, é a comida de toda brasileiro”. A resposta do americano é “sim” ou “não”. Observo que em muitas reuniões no Brasil, as pessoas são repetitivas. Para o americano isso não existe. Água é água. Vinho é vinho.
O senhor serviu o exército?
Fui dispensado. Dr. Silvestre Passi que consultava no Largo do Arouche, quando eu tinha uns oito anos, diagnosticou que eu tinha propensão para morrer aos dezoito anos, com um buraco na garganta em decorrência de uma doença chamada ozena (Doença do nariz, onde se formam crostas que exalam cheiro fétido, acompanhada de perda do olfato). Não morri até hoje!
Em 1932 houve a revolução constitucionalista, o senhor participou de algum ato?
Eu era escoteiro, fui de trem, junto com os militares até Itararé levar uma mensagem. Em 1932, a Associação de Escoteiros de São Paulo passou a chamar-se “Boy Scouts Paulista”.
Foi fardado?
Fui em trajes civis. Lembro-me do enterro do General Marcondes Filho, parente do Yvens Marcondes. A solenidade foi no Pátio do Colégio. O cavalo dele estava sem ninguém montado, restava apenas a lembrança.
Durante a Segunda Guerra Mundial havia restrições para o uso do rádio por imigrantes italianos, japoneses e alemães. A Sears vendia rádio à essas pessoas?
Podiam comprar rádios. Não podiam adquirir imóveis. Clubes, associações e sociedades italianas, japonesas e alemãs tiveram que trocar seus nomes alusivos ao país de origem por nome tipicamente brasileiro. Onde é o campo da Portuguesa era um clube alemão, passou para o Estado, hoje é o estádio da Portuguesa.
O Rio Tamanduateí como era?
Era um rio fininho, mas já não era limpo. O Rio Tietê era sujo também, só que hoje está demais. Cheguei a nadar com Maria Lenk em 1937, na Vila Guilherme havia um trampolim. O senhor é do tempo do Avenida Danças?
Eu era mocinho, freqüentava o Avenida Três, quando entrava recebia um cartão que era picotado. Após a gente dar uma parada, a dançarina pegava o cartão e dava para o funcionário picotar o correspondente aos minutos que tínhamos dançado. 10 minutos de danças ela mandava dar 10 picotadas. As músicas eram lindas.
Qual é a receita para chegar com essa disposição toda na idade em que estão?
Estamos juntos há 53 anos. Para ter disposição é tentar manter uma vida saudável, não comer alimentos prejudiciais, não beber em excesso, freqüentar parques, estar junto a natureza, levar uma vida regrada, sem excessos.
O senhor é usuário de computador?
Um pouquinho, comecei no Excel, Word.