JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 29 de agosto de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADA: Maria de Fátima Carvalho Esteves
Por inspiração do Ano Internacional das Pessoas Deficientes em 1981, o conceito em relação ao deficiente foi alterado: não é o deficiente que tem que adaptar-se à sociedade, mas a sociedade tem que adaptar-se às pessoas “diferentes”. A deficiência não é então um atributo do indivíduo, mas está relacionada à forma como a sociedade o vê. Esse processo pelo qual a sociedade se adapta para poder incluir em seu contexto as pessoas com necessidades especiais é denominado inclusão. Incluir alguém em um grupo é dar-lhe condições para que possa participar ativamente das idéias e atividades do mesmo.
A segunda colocada no concurso Miss Brasil 2008, Vanessa Vidal é deficiente auditiva desde que nasceu. Para ela, é importante aproveitar a visibilidade para apresentar ao mundo as comunidades que são minorias, como os deficientes. “É preciso mostrar para a sociedade que somos todos capazes, mesmo com as diferenças.” Sobre as coisas que aprendeu com o concurso Miss Brasil 2008, ela completa: “A maior lição é que somos todos capazes de alcançar nossos sonhos. Temos apenas que lutar, sermos perseverantes e não desistirmos desses sonhos. Com humildade e determinação podemos realizar tudo o que quisermos”. Desde 1991 existe uma lei no Brasil que obriga as empresas com mais de 100 funcionários a contratarem pessoas portadoras de deficiências. A lei prevê que uma determinada quantidade de vagas, que varia de 2% a 5% do número total de funcionários, deve ser reservada para pessoas deficientes. Com isso, um número crescente de portadores de necessidades especiais está entrando com força total no mercado de trabalho. Junto com esse fenômeno, vem também a necessidade de adquirir habilidades e conhecimentos para exercer tais funções. No Brasil a história da educação de surdos iniciou-se com a criação do Instituto de Surdos-Mudos, o atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Fundado em 26 de setembro de 1857, pelo professor surdo francês Ernet Hwet, que veio ao Brasil a convite do Imperador D. Pedro II para trabalhar na educação de surdos e mudos. Segundo a FENEIS (Federação Nacional dos Surdos), o surdo–mudo é a mais antiga e incorreta denominação atribuída ao surdo, e infelizmente ainda utilizada em certas áreas e divulgada nos meios de comunicação. Para eles o fato de uma pessoa ser surda não significa que ela seja muda. A mudez é outra deficiência. O surdo é alfabetizado e tem a Libras, Língua Brasileira de Sinais, como sua língua própria. Em Piracicaba a Apaspi, Associação de Pais e Amigos de Surdos de Piracicaba tem realizado um trabalho de inclusão social dos mais proveitosos e representativos. Dezenas de profissionais atuantes em empresas localizadas em Piracicaba foram freqüentadores da Apasp. A presidente da Apasp Maria de Fátima Carvalho Esteves é um exemplo de quem se mobiliza por uma causa sem motivação de cunho espiritual, religioso, político ou de qualquer outra ordem a não ser a abnegação. Os progressos realizados por cada deficiente auditivo trazem uma satisfação tão imensa que todos os seus esforços para conciliar sua vida profissional, doméstica e de voluntária na Apasp são extremamente compensados. Nascida em Piracicaba a 5 de abril de 1953, filha de Antonio Pinto Carvalho e Helena Lopes Carvalho, é casada com o advogado José Aref Sabbagh Esteves. É diretora da empresa Delta Org que exerce atividades nos setores de contabilidade, imobiliário e advocacia.
Há alguém com deficiência auditiva em sua família?
Não! Muitas vezes eu me pergunto o que me levou a participar da Apaspi, Associação de Pais e Amigos de Surdos de Piracicaba, simplesmente eu passava em frente, quis conhecer, entrei, e lá já estou a dezessete anos como voluntária e há seis anos como presidente. Júlio Lázaro Sierra foi presidente de Apaspi por 22 anos, ele era gerente de uma agencia bancaria em Piracicaba, ficou sabendo que a Apaspi iria encerrar suas atividades caso alguém não assumisse a sua direção. Sensibilizado pela situação ele assumiu a direção da entidade permanecendo como presidente por 22 anos.
A Apaspi arrecada seus recursos de qual forma?
As prefeituras das cidades que assistimos contribuem, recebemos doações de pessoas e empresas que contribuem com valores indeterminados, de forma voluntária, realizamos eventos como bazar, bingo, venda de pizzas, tudo visando cobrir nossas despesas. Mantemos um quadro de profissionais qualificados para atender aos nossos alunos, a nossa folha de pagamento com os encargos legais, torna-se bastante representativa diante do nosso orçamento.
A Apaspi recebe também crianças de outras localidades?
Atendemos crianças de Tietê, Charqueada, Santa Barbara D`Oeste, Rio das Pedras. Recebemos a todos que nos procuram.
Como são as atividades com os alunos?
Cada criança tem uma necessidade própria, tendo para ela a sua atendente habilitada. Conforme a necessidade individual é dado o tratamento adequado. Atendemos desde recém nascidos até pessoas com 21 anos. Os recém nascidos atendemos na Santa Casa de Misericórdia de Piracicaba, a nossa fonoaudióloga que realiza o “teste da orelhinha”, nos moldes do “teste do Pezinho”. Atualmente é uma exigência legal que se realize a avaliação auditiva do recém nascido. Dispomos de uma sala na Santa Casa, ao nascer a criança é conduzida para que façamos o teste da orelhinha, não apresentando nenhuma anormalidade auditiva emitimos uma carta de responsabilidade atestando a plena capacidade de audição do recém nascido. Caso a criança apresente alguma deficiência ela é assistida gratuitamente.
Além dos jovens a Apaspi é procurada por pessoas de outras faixas etárias?
Estamos sendo procurados por pessoas da terceira idade, muitas vezes são problemas auditivos decorrentes de diversos fatores característicos da própria idade. Todos são atendidos gratuitamente.
Atualmente quantas pessoas são assistidas pela Apaspi?
São 56 crianças. É interessante que existem ex-alunos que já estão aptos para seguirem seus caminhos, costumamos dizer que estão “de alta”, mas que permanecem conosco, não querem se desligar da Apaspi. Muitos nos ajudam em eventos, em atividades promovidas pela Apaspi. Tínhamos cerca de 110 pessoas assistidas pela Apasp, a empresa Nabisco contratou umas 50 delas para trabalhar na empresa. Temos outras pessoas educadas por nós trabalhando no Supermercado Jaú, no Hospital da Cana. Hoje há uma grande demanda do mercado, que necessita contratar deficientes, por força de lei. Para o deficiente são as oportunidades que ele nunca teve e que agora aparecem. Antes, ninguém queria contratar um deficiente auditivo.
Como é o desempenho profissional dos deficientes auditivos?
É ótimo! Ao iniciarem suas atividades em uma empresa, há um acompanhamento por parte da Apaspi, com uma pessoa do nosso quadro de funcionários monitorando até ocorrerem às perfeitas adaptações do contratado ao serviço.
Os deficientes auditivos que passam pela Apaspi constituem família?
Levam uma vida normal. Há até o caso de uma professora nossa que se casou com um deficiente auditivo que foi aluno da Apaspi. Conheceram-se, casaram e hoje tem um filho.
A senhora acredita que em Piracicaba e cidades da região existam mais deficientes auditivos que não conhecem a entidade?
Acredito que existem deficientes auditivos que não nos conhecem Estamos realizando um trabalho de divulgação junto a creches, escolas, procurando levar informações sobre o trabalho que a Apasp realiza. Queremos trazer todos os deficientes auditivos para dar-lhes melhores condições de vida. A lei que abriu as perspectivas de trabalho para os deficientes proporciona melhores expectativas ao mesmo tempo em que valoriza o ser humano.
Os deficientes auditivos assistem a filmes?
Chamamos de “interprete” a pessoa que os acompanha e através da língua dos sinais faz a ponte de comunicação, há grupos de deficientes auditivos que vão ao cinema no Shopping Piracicaba, após assistirem ao filme tomam lanches no Mac Donalds. Estamos com um curso disponível á todos os interessados, não precisa ser deficiente auditivo para freqüentar, é o curso de língua dos sinais.
Todo surdo é mudo?
Nem todos, alguns ao colocarem o aparelho auditivo passam a falar. Temos as mais diversas situações possíveis. Recebemos um menino com uma série de problemas, entre eles a deficiência auditiva. Era uma criança que não tinha a capacidade física de sustentar-se em pé. Hoje ele com o auxilio de aparelhos já caminha. Para nós isso é extremamente gratificante.
Entre muitas passagens marcantes de situações com alunos há alguma que a senhora lembre-se no momento?
Foi com uma menina, conseguimos adquirir um aparelho auditivo para ela, a mãe não sabia. (nesse momento Maria de Fátima fica com a voz embargada, revive com muita emoção o fato). Quando a mãe veio buscar essa criança a emoção foi muito forte, a criança disse: – Mamãe! Isso me marcou muito, são situações como essa que compensam todo nosso esforço, nos motiva a trabalhar cada vez mais.
Os alunos da Apaspi são alegres?
São muito alegres, cantam, temos o nosso coral! São cerca de doze pessoas. Para nós é uma grande alegria.
Os alunos freqüentam a Apaspi em que dias da semana?
De segunda a quinta feira, nos horários das 8 ás 11 horas e das 13:30 ás 16:30 horas.
É significativo o custo de um aparelho para audição?
Conforme a necessidade do paciente é um tipo de aparelho e um custo, mas são valores significativos.
Como surgiu a vocação da senhora para prestar serviço voluntário?
É algo que existe dentro de mim, nem imagino em deixar de prestar esse tipo de serviço. Podem tirar tudo de mim, mas as minhas crianças não! (Maria de Fátima refere-se aos alunos da Apaspi como “minhas crianças”). Há muitas entidades necessitando de voluntários.
A Apaspi recentemente recebeu a visita de representantes de uma grande empresa?
Representantes da empresa Hyundai estão percorrendo todas as entidades assistenciais de Piracicaba, no nosso caso passaram o dia 11 de agosto conosco, acompanhando as nossas atividades. Mostramos o nosso trabalho e eles nos mostraram o que a empresa faz. Acredito que tanto nós como eles saímos muito emocionados, participamos juntos dos trabalhos realizados nesse dia.
A senhora acredita que dessa visita resulte alguma parceria entre a Apaspi e a Hyundai?
Acredito que sim, embora não exista nenhum protocolo de intenções.
A Apaspi recebe apoio de alguma grande empresa ou indústria?
Não recebemos nenhum apoio dessa natureza.
A Apaspi segue alguma crença religiosa?
Não temos vínculos com nenhuma religião.
Como os seus familiares vêm a sua dedicação á entidade?
A minha família participa ativamente de todos os eventos que são realizados lá, eles me apóiam muito. Na ultima segunda feira realizamos uma passeata com os deficientes pelo centro da cidade, saímos do Mercado Municipal e fomos até a praça central, o objetivo foi de sensibilizar as demais pessoas de que os deficientes podem participar ativamente da sociedade, a inclusão do deficiente é muito importante. Na terça feira a noite, no Shopping Piracicaba, foi realizado um desfile de modas só com modelos portadores de deficiência.
Qual é a visão do mundo do deficiente auditivo?
Eles não se entregam, estão sempre felizes. Digo que sempre que vou á Apaspi recarrego minhas baterias! Cada rostinho está sempre feliz, eles nos transmitem segurança, nos apóiam!
Há vagas para voluntários?
Estou recebendo de braços abertos. Os únicos pré-requisitos é ter vontade e gostar de exercer o voluntariado. Temos grande necessidade de voluntários que atuem voltados para a área de informática, estamos montando uma sala, mas ainda não temos professores. Aqueles que queiram fazer doações de equipamentos de informática, mesmo que sejam usados, estamos aceitando. Contamos com um gabinete dentário, porém atualmente estamos sem dentista, os profissionais que desejarem ser voluntários serão muito bem recebidos. Realizamos a Feira da Economia no Teatro São José que é cedido graciosamente.
É longa a durabilidade de um aparelho de audição?
A vida útil de um aparelho sofre variações conforme a faixa etária, geralmente crianças tendem a se descuidarem mais do que adultos.