Sábado 08 de agosto de 2009
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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O Lar dos Velhinhos de Piracicaba foi fundado em 26 de agosto de 1906 por Pedro Alexandrino dos Santos. A princípio denominado como Asylo de Velhice e Mendicidade de Piracicaba, sempre contando com inúmeros colaboradores e beneméritos, muitos dos quais, anônimos. Sob a direção de Jairo Ribeiro de Mattos, transformou-se na Primeira Cidade Geriátrica do Brasil. O Lar não é um lugar de abrigo e esquecimento, um depósito, é uma cidade com habitantes que tem cada um sua moradia, entram e saem conforme a vontade e disposição de cada um. A beleza do lugar aquece os corações dos seus moradores e dos que ali passam. O desafio é diário para a existência desse complexo, que abriga também bom número de idosos quase sem recursos. Hoje é de fato uma cidade dentro da cidade de Piracicaba. Jairo Ribeiro de Mattos é o símbolo vivo do Lar dos Velhinhos. Aqueles que o acompanham de forma mais próxima sabem da sua luta, sua obstinação. Dr. Jairo fez do Lar a sua causa, e como é de seu caráter, resoluto, deixou muitas pessoas, inclusive autoridades de respeito em nosso país, simplesmente de boca aberta ao verem suas realizações. Com longo histórico de falta de recursos, graças á fé inabalável de Jairo, que transmite para todos que o rodeiam, Deus tem provido os mesmos. A Primeira Cidade Geriátrica de Piracicaba é uma das maravilhas da Noiva da Colina.
Professora Josete, como foi que a senhora escolheu o Lar para residir?
Pertenço a Instituição Vicentina, e nessa condição por muitas vezes vim procurar abrigo para as pessoas que atendemos. Vinha muito também para passear, olhar, ver as pessoas residentes aqui. Comecei a perceber que é um lugar muito bom. Em 2006 conversei com Dr. Jairo Ribeiro de Mattos e adquiri a casa onde hoje moro. Fiz uma reforma, adaptando-a conforme desejava. Passei a morar aqui em 2008.
Quando a senhora anunciou que mudaria para o Lar houve alguma reação por parte de alguns de seus amigos?
Alguns acharam que eu era demente! Não conseguiam entender o porquê da minha decisão de vir morar aqui. Chegaram a passar e-mails.
A senhora gosta de viajar?
Gosto! Acho que temos que viver. Não adianta se enclausurar. Faço parte do Friendship, já estive nos Estados Unidos, México, Alemanha, França, Holanda, Colômbia. Também já viajei pelo Brasil. Estou planejando uma vigem para a Rússia. Recebo regularmente correspondência dos amigos que fiz nesses países.
Em qual língua a senhora comunica-se?
Mímica! É divertido.
A senhora faz ginástica?
Faço hidroterapia na piscina térmica, aqui no Lar, quase no quintal da minha casa. Realizamos atividades de acordo com a idade da gente, sob a orientação de uma professora.
Qual foi a sua sensação no primeiro dia em passou a morar aqui?
Foi ótima, maravilhosa. Eu chamo o Lar de “Porta do Céu”! É tanta paz! Quando passamos pelo portão de entrada sentimos uma tranqüilidade, uma paz que é difícil explicar o porquê sentimos isso. Todas as pessoas que passam pela portaria falam a mesma coisa. Aqui temos os recursos que são necessários, além de convivermos com pessoas da mesma faixa etária. Nos dias atuais, temos que ter a consciência de que uma família tem suas obrigações diárias, filhos, faculdade. Uma pessoa com mais idade, exige cuidados especiais. Aqui temos as irmãs, as enfermeiras, médicos, ambulância, ônibus, perua, motorista. É um paraíso!
A convivência com pessoas de faixa etária semelhante é importante?
Eu acho! Todo mundo é alegre, todo mundo é feliz, um ajuda ao outro. É uma família. Existe muita amizade, muito respeito. Existe uma privacidade, mas também uma grande amizade, sem a intromissão. Minhas vizinhas vêm até a minha casa, jogamos cartas, damos risada, fazemos uma comidinha, uma sopa.
Quando a senhora entrou para a instituição dos Vicentinos?
Quando Geraldo faleceu, (o advogado Dr. Geraldo Bragion) fiquei por cerca de dois anos deprimida. Decidi que deveria voltar a fazer algo, sempre eu trabalhei bastante. Fui até a Igreja do Bom Jesus, conheci o grupo e entrei.
A senhora nasceu em Piracicaba?
Nasci em Itatiba, em 8 de janeiro de 1938, sou filha de Mariano Latorre e Noemia Pupo Latorre. Meu pai veio da Itália, de Tito, próxima a Nápoles. Minha mãe era itatibense. Meu pai veio como imigrante, os navios vinham para o Brasil ou para a Argentina, ás vezes fechava a imigração no Brasil eles iam para a Argentina. Existem irmãos do meu pai que moram na Argentina. Fui para a Itália, conheci a casa onde meu pai morou aonde ele dormia, a carreta em que o meu avô transportava as coisas com o boi.
Quando a senhora conheceu o seu marido Dr. Geraldo Bragion?
Conheci meu marido Geraldo Bragion, filho de Pedro Silvestre Bragion e Amália Túlio Bragion em Campinas. Fazíamos a Faculdade de Canto Orfeônico juntos. Ele estudava Direito de manhã e Canto Orfeônico á noite. Eu estudava como interna no Colégio Coração de Jesus. Eu tinha feito o curso de piano, o meu curso era dentro do colégio mais era o Conservatório de Campinas que vinha realizar os exames das alunas. O diploma tinha validade.
O primário a senhora estudou em qual cidade?
O primário eu estudei no Grupo Conde Parnaíba em Jundiaí. O ginásio eu fiz no colégio interno Coração de Jesus das freiras da ordem Nossa Senhora do Calvário. Permaneci interna por oito anos. Na minha família, quando nascia mulher ia para o Colégio Coração de Jesus. Meus pais tiveram quatro filhas.
Foi lá que a senhora aprendeu a pintar?
Fazíamos pinturas em quadros, bordados, crochet, tricot.
A que horas as alunas levantavam-se?
Ás cinco horas da manhã, todos os dias. Ás seis e meia ia para a missa na capela, o café era ás sete e meia, as aulas ás oito horas. Ao meio dia almoçava, tinha o recreio. Cada um tinha a sua carteira, aquelas de levantar a tampa. Levávamos o tinteiro em uma caixinha de pó de arroz, tínhamos as penas, mata-borrão. A caneta era composta por um cabinho de madeira e a pena na ponta. Trocávamos as penas.
Quais idiomas eram ensinados no colégio?
Latin, francês e inglês. A missa era celebrada em latin.
Como era o uniforme?
Era um vexame! Tínhamos vários uniformes. Para o dia-a-dia era uma saia azul marinho, uma blusa branca, de manga comprida. Por cima um avental xadrez quadriculado, quatro dedos acima da saia. O comprimento da saia ia quase até a canela, com as meias grossas e um sapato fechado. O uniforme para sair consistia em tirar o avental, trocar a blusa, que era de algodão e púnhamos uma blusa de seda. A saia era a mesma. O uniforme de gala consistia no uso de boina, havia um emblema na boina, usávamos luvas azul-marinho combinando com a saia. Sapato de verniz preto, meia de nylon. Nesse caso a saia era trocada por uma saia pregueada.
Havia algum dia de folga do colégio?
Se tivesse boa nota e disciplina, uma vez por vez saíamos para irmos até a casa dos pais. Usávamos o trem da Companhia Paulista. Nessa época o colégio tinha comprado uma chácara, onde hoje é o Colégio Coração de Jesus. Íamos a pé do colégio até essa chácara, atravessávamos pelo centro. Todas andando em fila! Passávamos o dia na chácara.
Vocês eram jovens, quais eram as peraltices que vocês faziam?
A parte mais difícil para nós era a hora do banho. Era tudo na base do sino. Sino para tirar roupa. Sino para abrir a água. Sino para se ensaboar. Ainda tinha que tomar banho com camisolão! Cada moça tinha um box individual, fechado, com porta.
Tomar banho com camisola não é anti-higiênico?
É! Havia um estrado de madeira, colocávamos a camisola sobre esse estrado e pisávamos em cima. Com isso podíamos tomar um banho de verdade. A freira responsável mandou cortar um palmo da porta na parte inferior da mesma. Eu achava um abuso. Isso fazia com que aprontássemos algumas artes para com as freiras. Trocávamos as roupas delas de lugar.
Quantas alunas havia no total?
Eram 120. Os ambientes eram separados por faixa etária. As pequenas era da ala “Anjo da Guarda”, a turma do ginásio era a “Nossa Senhora do Carmo”, a das mais velhas era a “Nossa Senhora Auxiliadora”. Em cada dormitório dormiam duas freiras, elas ficavam no que era chamado de “cela” eram fechadas por cortinas. Deitavam depois que nós dormíamos e levantavam antes.
Ao concluir o período do internato qual foi o passo seguinte?
Sai como professora e fui trabalhar no Sesi em Jundiaí. Isso foi em 1958. Em 22 de janeiro de 1959 eu casei-me e vim morar em Piracicaba. Meu sogro reformou uma casa para nós na Rua Boa Morte, ficava bem em frente ao Colégio Assunção, ao lado do Tola. Depois me mudei na casa vizinha a Padaria Jacareí, do Sartini, ainda na Rua Boa Morte. Nosso vizinho era o Julio Dihel. Eu gostava muito da grande amizade que existia entre os vinhos, o pessoal colocava as cadeiras nas frentes das casas ficávamos vendo o bonde passar. Lá pelas nove, nove e meia da noite entravamos em casa. Era muito bom.
Um familiar da senhora foi frade capuchinho?
Frei Estevão Maria de Piracicaba, irmão do meu sogro, o nome civil dele era Miguel Bragion, foi guardião da Igreja dos Frades, foi ele quem celebrou o meu casamento.
A senhora morou uma época na Rua do Rosário?
Morei 28 anos ali, em frente a atual biblioteca.
O tilintar do bonde permanece ainda em seu ouvido?
Está. Quando morei ao lado da Padaria Jacareí a nossa empregada levava os três meninos para passear de bonde. O motorneiro para fazer folia com as crianças ao passar em frente de casa, fazia barulho com a sineta do bonde. As crianças davam várias voltas de bonde, iam e voltavam por diversas vezes.
As primeiras aulas do Sesi em Piracicaba foram ministradas onde?
Comecei na Escola Assunção, as salas eram alugadas para o Sesi. Isso foi em 1962. Em 1964 fomos ocupar o prédio vazio que o Grupo Escolar Dr. João Conceição havia desocupado, ele havia mudado para o prédio novo. Veio então o Ginásio Estadual Dr. Jorge Coury, com aulas no período da tarde e período da noite. Depois o Colégio Jorge Coury quis o período da manhã. O Sesi foi então para á Rua Antonio Bacchi, 1030, onde funciona até hoje. A primeira coordenadora do Sesi 164, que é o número da escola, foi a Leonora Januzzi, depois foi Maria do Carmo Dias de Souza. Nós mudamos de prédio em 1965, a Avenida São Paulo ainda não era asfaltada, a torre da Igreja da Paulicéia ainda estava em construção.
Qual era o meio de transporte que a senhora usava para ir até a escola?
Era o “Fusca”, ás vezes nós revezamos de carro, outras subíamos de ônibus.
Quantos alunos existiam na época?
Mais ou menos 300 alunos. Naquele tempo não havia pré-escolar, a criança vinha “nua e crua”. Começávamos com treino ortográfico. Em agosto, setembro nós estávamos dando o primeiro livro.
Eram mais disciplinados?
Criança é criança. O método de ensino era muito eficiente. Quem sabe a tabuada faz qualquer conta. Hoje se você tirar a pilha da máquina de somar acabou o aluno.
Havia merenda na época?
O prefeito era Luciano Guidotti, foi quando começou a ter merenda na escola.
Havia um trabalho com os alunos no sentido de desenvolver o amor a Pátria?
Recebi ontem a visita de um ex-aluno que frisou bem essa parte. Eram incentivados a amar o Estado, a Família, tinha uma fanfarra, toda semana havia apresentação de teatro, hasteávamos a bandeira, cantava-se o hino nacional.
A senhora gosta de pescar?
Gosto muito. Acho que pesco desde quando nasci! O Geraldo, meu marido tinha uma tendência maior para a leitura, adorava literatura. Quando me aposentei, com o fundo de garantia adquiri um rancho, tenho que fazer uma reforma completa, está bem acabado.
Todo pescador um dia pegou um grande peixe, qual foi o maior peixe que a senhora já pescou?
Eu não pego peixe muito grande não! Meu filho Pedro está fazendo uma ceva, disse que um amigo dele foi pescar naquele local e pegou um peixe de 10 quilos. Eu tenho as minhas dúvidas, porque os peixes que eu pego não chegam a nem a 1 quilo. A graça da pescaria está em ficar na barranca, sentada, vendo o rio correr. É a paz!