PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista joaonassif@gmail.com
Sábado 18 de julho de 2009
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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Nasci em 16 de junho de 1925 na Rua Antonio Correa Barbosa esquina com a Rua Moraes Barros, era uma casa grande, uma parte dela ficava fora do alinhamento da rua, existia um muro de pedra. No lugar onde deveria ser a calçada o pessoal passava, e ia até a Igreja do Espírito Santo. Ali tudo pertencia ao meu pai, Constabile Di Giaimo, natural de Nápoles. Quando veio o calçamento da rua fizeram uns degraus para descer até a porta da casa, que ficava abaixo do alinhamento. A minha mãe, Carmela Sappia, era da Calábria, casou-se e foi morar nessa casa. Ela teve ao todo 16 filhos. Em determinado dia morreu um deles, foi enterrado pela manhã, a tarde morreu outro filho. Meu pai ficou tão desgostoso que foi embora para a Itália. Ele, a minha irmã Paulina, outra irmã menor, e minha mãe que na época estava esperando pelo nascimento da Luzia, se mudaram para a Itália. A Luzia nasceu lá, mas a outra filha que tinha ido junto, faleceu na Itália. Ele então resolveu voltar para o Brasil, achou que tanto fazia o lugar, em qualquer um deles poderia morrer um filho. Quando regressaram a casa em que haviam morado, esta estava ocupada por outras pessoas, meu pai alugou uma casa que ficava na esquina até desocuparem a casa que antes fora ocupada por nossa família. É interessante observar que meu pai ainda solteiro tinha alugado um quarto nessa casa, para ali residir. Quando meu pai limpou uma parede para pintar, viu que abaixo da camada de tinta existiam pintados os dizeres “Escritório da Navegação Fluvial”. Isso na esquina da Rua Moraes Barros com a Rua Antonio Correia Barbosa, também denominada antigamente de Rua do Sabão, porque naquela rua diziam que havia uma fábrica de sabão. A Rua Rangel Pestana descia e ia até o Rio Piracicaba. Um pouco antes de onde hoje existe a Loja Maçônica Piracicaba, abriram a rua, lá o Boldrini tinha um moinho de fubá, ele era padrinho da minha irmã Paulina. O meu avô materno veio para o Brasil, conhecer o país, deixando na Itália a sua esposa, Margheritta Cortona, minha mãe, além de outros filhos. O meu pai tinha ficado órfão muito cedo, foi criado como pescador ainda na Itália, passou a morar em Piracicaba. Ele pescava no Rio Piracicaba e vendia os peixes para o meu avô, que tinha um pequeno estabelecimento onde eram vendidos peixes fritos, entre outras coisas. Meu avô sempre dizia para o meu pai casar, pois era uma pessoa sozinha. Em determinado dia, meu pai estava no estabelecimento do meu avô, quando chegou uma carta da Itália. Era da minha avó, Margheritta, consultando o meu pai sobre um pedido de casamento que fora feito á minha mãe. A correspondência foi lida em voz alta por um dos presentes, meu avô não sabia ler. Meu pai permanecia calado, escutando. Ao término da leitura, meu pai disse ao meu avô: “-Você vive me dizendo para casar, porque não manda buscar sua filha na Itália que eu caso-me com ela”. Meu avô trouxe a filha da Itália! Quando veio para o Brasil a minha mãe tinha quatorze anos de idade. Casaram-se na catedral de Piracicaba, após o casamento, o casal subiu na charrete, foi quando ela perguntou ao meu pai: “-Como você se chama?” Isso depois de casado. Quando bem mais tarde ela nos contou isso, eu perguntei-lhe: “-Mãe, a senhora tinha acabado de casar-se, tinha falado “sim” na hora do casamento, e não tinha visto o nome dele?”. Ela disse: “-Não entendi nada do que eles falavam!”. Ela só falava em italiano, e estava há uns três meses apenas no Brasil. Meu avô até morrer só falava italiano, muitos da família também usavam a língua italiana como forma de comunicação.
Na época já existia o Clube de Regatas, na Rua do Porto?
Tinha sim. O terreno que meu pai tinha até a esquina foi vendido para o Clube Náutico. Existiam dois trampolins: o vermelho era do Clube Regatas e o Azul era do Clube Náutico. O Náutico ficava onde hoje é um grande salão no Largo do Pescador. Meu pai era proprietário de uma esquina até a outra.
Como era a iluminação naquela época?
Que eu me lembre, a casa era de quatorze cômodos, só que havia uma lâmpada na cozinha, uma na sala, outra na sala dos fundos. Só. Nos quartos não havia lâmpadas. Era costume da época. Não havia esgoto, havia fossa séptica.
Algum dia a senhora entrou no Palacete Boyes?
Entrei! Eu tinha amizade com a Laurinda, que era a governante do Palacete. Era muito bonito. Conheci até uma adega que havia lá.
Na esquina do Largo dos Pescadores já existia um barzinho?
Existia! Era do Chico Manduca, cujo nome correto é Francisco Duarte Novaes. Na nossa casa funcionou uma escola onde Dona Helena Teixeira Mendes foi professora.
A senhora conheceu Sud Menucci?
Conheci, mas muito pouco.
A senhora estudou onde?
Naquele tempo chamava-se Grupo Escolar do Porto, depois foi Francisca de Castro, depois Francisca Elisa.
A senhora chegou a pescar?
Meu pai não deixava nem ir até a Rua do Porto. Quando ainda solteira, bordei na casa da Tereza Grisolia, a Olímpia Pense ia comigo. A Angelina que era casada com o João Bissoli, proprietário de um açougue, também ia conosco. Tínhamos como vizinhos o Nhô Brasílio, a Nhá Suzana, que foram escravos. Eram velhinhos. Ela vivia enrolada em uma manta de lã, podia estar sol, calor, frio, com o pito na boca. Ela dizia assim: “-Cadê a choca?” Que era a minha mãe! Por que tinha muitos filhos e ela brincava.
A senhora chegou a participar das festas que havia na Rua do Porto?
Meu pai não deixava a gente ir.
A senhora conheceu o que chamam de Casa do Povoador?
Nunca cheguei a entrar lá. Mas moravam pessoas, que não tinham muito cuidado com a construção.
A senhora via o Engenho Central?
Só da minha casa!
A senhora chegou a andar de trem?
Andei sim. Íamos á São Paulo, nós gostávamos do tempo de colheita de uva, quando o trem parava nas estações que vendiam frutas, comprávamos aquelas cestinhas de uva. Que delicia! Nós íamos visitar os parentes do meu pai, que eram muitos, mas íamos mais a casa dos que moravam no Bairro do Bixiga, o Aléssio morava na Avenida Brigadeiro Luiz Antonio, o Francisco morava na Rua Domingos de Morais.
A senhora conheceu o Dr.André Ferreira dos Santos, o Dr. Preto?
Conheci! Ele vinha em casa. Quando o meu irmão o Vicente (Carteiro) Di Giaimo, que foi muito conhecido na Vila Rezende, ficou doente, Dr. Ferreira passou a noite toda junto a ele. Naquele tempo os remédios eram feitos com base em poções, preparava-se na hora. O doutor foi á farmácia, ele mesmo preparou o remédio, sentou na cadeira, ele ministrou o remédio, nem foi a minha mãe quem deu o remédio. Quando amanheceu ele disse á minha mãe: “-Seu filho está salvo”. Ele nem esperava o dinheiro. Recebia, mas não dava preço.
Como ele era chamado?
O povo o chamava de Dr. Preto. Dizem que um dia mamãe disse-lhe alguma coisa iniciando: “Dr.Preto…”. Ele olhou, com muita calma, e disse: “Dr. Ferreira…”. Diziam que ele era muito exigente, muito cuidadoso com a higiene, e muito competente como médico. A casa do meu pai tinha quatorze cômodos. Era como uma festa sempre, as mulheres na cozinha, era um divertimento. A Stefania, mais conhecida como Perfania, vendia peixe no mercado. Ela teve um filho na hora da enchente, acabaram levando para casa. Não havia rádio, não havia nada do que existe hoje, havia uma sala enorme, onde a criançada reunia-se, se contavam histórias, piadas, coisas simples.
A senhora chegou a ter alguma boneca?
Eu ganhei da minha madrinha Tereza Bevilacqua, uma boneca de massa. Era papel coberto por uma massa. Não quebrava muito fácil. Era uma boneca feia, com um rosto feio. Eu fiquei feliz. Fomos brincar de casinha, a menina que estava brincando comigo foi embora, eu entrei em casa. Veio uma chuva á noite, no dia seguinte a boneca era um monte disforme e molhado. Eu chorei muito.
Como á senhora conheceu o seu marido?
Em um dia da semana, fui com a minha irmã Judith, com uma amiga a Ita até uma farmácia que ficava na esquina da Rua Moraes Barros com a Rua Alferes José Caetano, encontramos o Ângelo (Gilão) Padula, que foi muito amigo do meu marido. Eu e outra minha sobrinha Celi ficamos sentadas, o Francisco e o Gilão conversando com minha irmã Judith e a Ita. Minha sobrinha e eu querendo ir embora.
Comecei a aprender datilografia, na Rua Governador Pedro de Toledo, próximo onde hoje há o Clube Cristóvão Colombo. O Francisco jogava snooker na Rua São José, perto da casa da Dona Chiarina Próspero. Ele passou a me seguir, eu fiquei brava, não queria prosa. No fim acabei namorando.
A senhora casou-se quando?
Eu casei-me no dia 16 de setembro de 1945, com Francisco Crócomo, nascido em 12 de dezembro de 1923. O pai dele chamava-se Giovanni (João) Crócomo, a mãe Tereza Vidilli. Meu sogro veio da Itália e foi morar em Jundiaí, onde trabalhou com o sogro dele. Trabalhava muito com cobre, fazia alambiques. Essa arte ele trouxe da Itália. O meu cunhado Salvador (Dudu) Antonio Crócomo fazia as peças mais delicadas. O Dudu foi casado com Emilia Badialli tiveram um filho, o Wilson.
Em que local a senhora foi morar após casar-se?
Fui morar na Rua Floriano Peixoto, 786. Morei ali por 41 anos. Tivemos 10 filhos. Celso, Célia, Magali, Eny, Francisco, João, Geraldo, Tarcísio, Paulo, Fernando.
A senhora lembra-se de algum vizinho da época?
Quando casei a Dona Orlandina Sodero já morava lá. Seu Antonio Nunes. Hugo Olivetto. (N.J. Tido por muitos anos como o homem mais pesado de Piracicaba). Conheci também o irmão dele o Jacó Olivetto. Morava ali a Dona Lucy Miller.
. Em frente ao jardim da cadeia, na Rua Moares Barros, havia um casarão onde morava a família da Nhá Dora, o marido dela chamava-se Luiz, era marchand de carne bovina, nós ainda crianças o chamava de Luizinho Carniceiro. A Rua Moraes Barros não era calçada, uma vez colocaram umas pedrinhas, choveu, aquilo ficou um sabão. Nhô Lica ia até a o Regatas, nós morávamos na esquina, aquelas pedras que se partiam, com o reflexo do sol brilhavam ele então gritava com toda força dos pulmões: “-Brilhante! Brilhante!” Punha no bolso e levava para o banco. Tinha o Julio, um indivíduo que ia batendo palmas atrás da banda, feliz da vida. A “Nina Mata” (N.J. Mata em italiano significa boba), ela andava com um chapeuzinho masculino. Tinha o vendedor de biju que usava uma matraca para atrair os clientes. O Vicente Ferramenta era uma figura folclórica que andava com as suas ferramentas no bolso!
A senhora sempre foi muito religiosa?
Fui sim. Quando eu era solteira freqüentava a Catedral, o pároco era o Monsenhor Rosa. Ele me batizou e ministrou a minha primeira comunhão. O meu filho Celso permaneceu por seis anos no seminário dos frades.
Quando se casaram o marido da senhora trabalhava aonde?
Quando nos casamos ele trabalhava com o seu pai, era um estabelecimento localizado na esquina da Rua Rangel Pestana com a Rua Benjamin Constant, chamava-se Caldeirão de Ouro, nome que mais tarde meu cunhado Dudu adotou em sua oficina na Rua do Rosário, no bairro da Paulista. Naquele tempo trabalhava-se muito com alambiques. Mais tarde meu marido passou um período trabalhando em casa, ele fazia todo tipo de trabalho relativo a utensílios de alumínio, folhas. Eram panelas, bacias, e existia uma grande freguesia, principalmente dos frangueiros que percorriam os sítios e traziam utensílios para serem consertados. Com o passar do tempo ele passou a fazer calhas, quem o incentivou muito foi o Vicente Gallo. Assim ele passou a trabalhar com calhas e encanamentos, permanecendo nessa atividade por muitos anos. Ultimamente ele fez pequenas peças de artesanato em cobre. (N.J. Francisco Crócomo tornou-se um artista reconhecido e premiado com suas peças em cobre). Eram peças feitas em escala menor, decorativas, mas todas funcionavam perfeitamente, inclusive os alambiques.
Além de cuidar dos seus filhos, a senhora exercia alguma outra atividade?
Eu bordava! Fazia ponto cheio, caseado, clivo, rococó. Faço até agora. Bordei para a governanta da família Morganti, era uma senhora de origem alemã, Paula Borger. Bordava lençol, toalha de mesa, fiz uma toalha toda aplicada em passarinho. Era para uso pessoal dela.
O pai da senhora extraia areia do rio?
O terreno no hoje Largo dos Pescadores era o depósito. Naquele tempo havia draga. Lembro-me bem do Nhô João Ferreira. A areia era transportada em carroças puxadas por dois burros que subiam a Rua Morais Barros, carregadas de areia. As rodas eram de madeira, inclusive os raios, e com um circulo de ferro em volta do aro todo, para durar mais. Quando estavam acabando a Estação da Paulista, teve um período em que deu uma enchente, e meu pai tinha um bom volume de areia no depósito. O seu Acácio Leite do Canto acertou com meu pai para vender aquela areia para acabar a Estação da Paulista.
A senhora teve um irmão que trabalhou no bonde em Piracicaba?
O Vicente foi cobrador de bonde da linha da Agronomia. Ele também foi vendedor de gelo. Era transportado em carroça cheia de pó de serra, ele carregava na fábrica de gelo, propriedade do Maluf, que ficava em frente ao Cine Broadway. Na época não havia geladeira.
A senhora comprou rádio em que época?
Foi depois de ter casado. Gostava de ouvir novelas, musicas de Carlos Galhardo, Silvio Caldas, Antonio José, meu marido Francisco gostava de Vicente Celestino.
Conheceu Dr. Samuel de Castro Neves?
Era um homem santo. Vinha em casa muitas vezes a pé para atender alguém que precisava dos seus cuidados. Conheci Dr, Caruso. Dr. Tito.
Quantos dos seus filhos a senhora teve em casa?
Tive o Celso, o Francisco e o João. Os outros foram na Santa Casa já na Avenida Independência.
Depois de casada onde eram feitas as compras para sua casa?
Comprei muito do Sr. José Stipp, que ficava na Rua Governador Pedro de Toledo com a Rua Floriano Peixoto. Na Dona Olga que tinha muitas frutas. Na Padaria Central. No Bazar do Tola que tinha armarinhos.